Avon: novo logo e a falta de maturidade na comunidade de designers

Por Daniel Campos

25 de abril de 2019

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Aloha!

Poucas, bem poucas pessoas neste país nunca ouviram falar a respeito da Avon. Marca americana fundada em 1886 sob o primeiro nome de The Californian Perfume Company, é especializada em produzir cosméticos e produtos de beleza. Muito provavelmente você tem alguém na família que vende ou já vendeu produtos Avon, afinal são mais de 6 milhões de revendedores pelo mundo, usando (ao menos no Brasil) o tradicional modelo de venda por catálogos. Há algumas semanas a marca atualizou seu logotipo.

Novo logotipo Avon

O projeto em si

O antigo logo era ok. Nada de mais, nada de menos. Não era memorável, mas não era problemático. Cumpria bem seu papel, principalmente numa arquitetura de marcas onde existem produtos que possuem marcas tão fortes e tão bem exploradas como a própria Avon (ex: Renew). Poucos devem ser os que diziam nas rodas de conversa entre colegas designer a Avon precisa melhorar esse logotipo – diferentemente da Decolar, mas isso é assunto pra outro artigo – logo a mudança pegou a todos, de alguma forma, de surpresa.

Novo Logo Avon

O novo é uma clara referência ao logotipo usado nos anos 1970, trazendo para a marca uma presença visual inebriante! Trata-se de um logotipo bold, forte, contrastante em relação ao anterior. O eixo da letra O é muito charmoso e seu paralelismo com as hastes diagonais das letras A e V criam um ritmo bem agradável, algo que concordo com o Armin do Brand New. Contudo discordo dele a respeito do N: sou um grande fã de letras unicase e o N traz uma quebra a toda rítmica visual de A V O (o que acho ótimo), enquanto que ao mesmo tempo evidencia as mesmas finas serifas de A e V, surfando na atual onda de logotipos serifados modernos. A meu ver, uma bela peça gráfica, bem construída e, diferente da anterior, marcante!

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O contexto da empresa nesse momento de mudança do logotipo

Apesar da clara inspiração na versão de 1970, esse projeto é uma evolução, gostemos nós ou não. E sim, mesmo ele olhando para o passado da marca e tentando ser um revival ele ainda é uma evolução. E meu argumento se sustenta na palavra que talvez eu mais disse em todos esses anos de LOGOBR: contexto.

Produto Avon Logo

Não existe Design sem contexto. Cecilia Consolo, minha querida mentora e amiga pessoal, sempre diz: o designer tem que levar em consideração o contexto/cultura de aplicação de qualquer projeto para seu sucesso.

Sempre tento entender qualquer projeto de redesign de marca como o reflexo de movimentos internos nas organizações. E depois de procurar mais matérias sobre o atual momento da Avon (contexto!), tudo começa a clarificar. Bem, vamos lá!

Apesar do mercado de cosméticos crescer a um ritmo acelerado, a Avon vive o oposto com a constante diminuição nas vendas. De fato, o cenário macro-econômico nunca foi o mesmo nesses 130 anos e a empresa precisou se movimentar, o que não será diferente na atual conjectura. Acelerada pelas tecnologias que perecem surgir diariamente, a grande questão a ser enfrentada pela Avon torna-se óbvia: fazer uma “senhora” de 130 anos ser contemporânea. Além da concorrência de empresas novas, mais ágeis e que já nasceram num contexto digital de negócios (Sephora, estou olhando pra você), existe uma problemática bem maior: a forma de consumo das pessoas.

Apesar do modelo de vendas diretas da marca não mostrar sinais de fadiga (já falei que eles tem mais de 6 milhões de representantes no mundo todo?), a forma com a qual os clientes se informam sobre os produtos mudou radicalmente. O papel de consultora de beleza que antes era exercido pela representante Avon, hoje é ocupado pelas influenciadoras digitais. Como se mover diante disso?

Em fevereiro de 2018 os acionistas trouxeram para o cargo de CEO Jan Zijderve, até então executivo da Unilever na Europa. A razão: baixos resultados da antiga gestão. Em outubro de 2018 subiu ao posto de novo diretor de marca e beleza o sr. James Thompson, além de Benedetto Conversano, ex-marketing da IKEA, para ser CDO (Chief Digital Office).

Produto Avon Logo

Segundo o site The Drum, a primeira medida de Conversano e Thompson foi criar o app Avon Personalised Beauty “que fornece diagnósticos cutâneos que eliminam a adivinhação de escolher um novo hidratante ou escolher o tom certo de base. O aplicativo conecta os clientes aos representantes.”

Além disso, a Avon vai enfrentar o fenômeno dos influenciadores digitais de forma diferente: ao invés de investir nesses influencers – que é a manobra usual – eles irão fazer uso da sua incrível base de 6 milhões de representantes ao treina-los e transforma-los em influenciadoros do Facebook e Instagram, com foco em suas regiões de atuação.

“Eles estão fazendo isso apesar de nós. Agora queremos ajudá-los a fazer melhor com as diretrizes gerais e com as ferramentas que fornecemos de maneira mais eficaz.” Disse o sr. Thompson.

E porque é importante entender tudo isso? Porque a mudança na principal peça da identidade visual da marca, seu logotipo, é um movimento natural dentro desse contexto.

Torna-se bem previsíveis os possíveis questionamentos que foram feitos dentro da empresa até chegar nessa decisão: como tentar rejuvenescer uma empresa e vender seus produtos para o público jovem se o logo que estampa todos os produtos é o mesmo que as jovens de hoje viam na penteadeira/banheiro da sua mãe ou avó? Estão mudando a forma de se conectarem com o público, logo precisam mudar também o seu identificador principal, afinal é ele que estampará assinaturas de videos, avatares e etc.

Outros detalhes

Outro ponto que gostaria de levantar é a possível falta de segurança da Avon ao utilizar seu logotipo. Navegando no site da marca, principalmente na versão americana, pude encontrar alguns produtos que carregam nem o antigo logotipo, nem o novo, mas uma outra versão que se parece com uma serif moderna, sem as serifas, toda em caixa-baixa.

Produto Avon Outro Logo

Produto Avon Outro Logo

Produto Avon Outro Logo

Produto Avon Outro Logo

Não tenho nenhuma informação do porquê disso, talvez seja uma linha especial de produtos clássicos da marca… enfim, seja qual for a razão, não faz sentido! Dilui o poder de comunicação, fixação e awareness da marca. Se de fato é essa uma linha de produtos clássicos, mais uma vez faz total sentido o redesign do logotipo inspirando-se no legado visual da marca.

Um palpite a respeito da causa

O logotipo anterior, apesar de ter sido feito em 1980, bebia de uma fonte muito comum nos dias de hoje: letras geométricas (Futura?), caixa alta e muito espaçadas. Algum problema aqui? Acredito que não, tudo era muito bem feito e perene (quase 40 anos!). Mas para se pensar em uma mudança é evidente que algo incomodou a Avon. Ainda não tivemos nenhuma noticia sobre isso, mas gostaria de arriscar algo.

O meu palpite? As marcas de moda:

Logo novo Calvin Klein e Burberry

Em agosto de 2018, a Folha de SP publicou uma matéria mostrando que:

Logotipos históricos que giraram a máquina de costura no século passado acabam de adotar novo look e abriram a temporada de caça à serifa, as linhas sobressalentes das letras.

Logo novo marcas fashion moda

No mesmo dia a nossa querida Glória Kalil, comentarista de moda brasileira, postou um video no seu Facebook perguntando-se o que estava acontecendo com as marcas de alta costura, pois de repente todas estavam alterando seus logos para versões quase que idênticas entre si, com letras sem serifa.

(Aliás é um video maravilhoso, onde ela mostra entender de design gráfico e ainda cumprimenta nossa querida Flávia Zimbardi pelo prêmio no TDC por sua fonte Lygia.)

https://www.facebook.com/GloriaKalilChic/videos/1039587149499180/

Apesar de não serem diretamente concorrentes, Avon e marcas de alta costura, acredito que a moda inspira os cosméticos e vice-versa – vide a quantidade de marcas de moda que produzem perfumes por exemplo. E na atual conjectura de desenho de logos de marcas da moda, o logotipo antigo da Avon seria só mais um entre eles.

Talvez (apenas talvez ok?), a Avon tenha sentido que era hora de remar contra a corrente. Num contexto onde as marcas de moda, tão desejadas, se tornam simples e sem serifas, a Avon muda da simplicidade para a força negrita, marcante e histórica da sua marca.

O antigo logo era leve, espaçado, fino. Demais. Talvez do ponto de vista da arquitetura de submarcas isso deve ser uma boa opção – por isso do meu interesse em ver o novo logo em seus usos oficiais – mas do ponto de vista de marcar com força o nome Avon, não era efetivo.

(Importante lembrar que minha análise tenta se basear numa contexto relativamente conhecido. As entranhas dos projetos jamais veem a luz do dia.)

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Uma última análise: postura de designers nas redes sociais

Muito provavelmente você não saiba: eu, Daniel Campos, tento produzir conteúdo e análises de projetos há mais de 10 anos (o LOGOBR fará 11 anos em maio/2019), mas nos últimos dois anos diminui drasticamente minha presença na internet, tanto nas redes sociais como na produção de artigos. Com isso, não participei de diversas discussões de importantes redesigns como Uber (ainda), Tintas Suvinil, Pinacoteca, Slack, Athletico Paranaense e outros.

Estou usando esse projeto da Avon, e recentes mudanças drásticas na minha vida profissional, para voltar a produzir artigos e estar mais presente nas rodas online de conversa. E confesso que estou estarrecido em ver que, depois de alguns anos, a comunidade de designers mais ativa na internet continua, de certa forma, imatura e superficial. Ao menos designers gráficos.

“Não gostei. Feio. Nossa que lixo. Se fosse pra fazer isso era melhor nem ter feito nada. Ficou uma b*sta.”

Essas e outras frases podem ser encontradas em posts desse projeto. E não apenas no Facebook e Twitter, mas também no LinkedIn. E a pior de todas:

“É plágio da Canon. Inspiração mal feita. Mudaram para ficar igual a Canon?”

A discussão chegou a um ponto que a familiaridade do desenho do “ON” tornou-se prova de plágio, sendo esse o principal argumento para desqualificar o projeto. Tal afirmação se sustentava na semelhança de desenho das letras e no eixo invertido da letra O.

E desde quando estilo tipográfico parecido virou sinônimo de plágio?

Vamos fazer um exercício: pesquise no Google Imagens pelos logotipos das revistas de moda Vogue, Ellen e Harper’s Bazaar. Todas tem seus logos no mesmo estilo tipográfico, mas isso na faz deles cópias um dos outros?

Outro exercício: o que podemos dizer sobre as dezenas (centenas?) de marcas que passaram por redesign a partir (e principalmente nos) anos 60/70 e adotaram a Helvetica em seus logotipos: Panasonic, BASF, Knoll, Mobil, Jeep, Nestlé, Target, 3M, American AirLines, Microsoft, Lufthansa, Post-It, Matel, BMW, McDonald’s, GM, Kawasaki, Toyota, Oral-B e etc… seriam cópias uma das outras por usarem o mesmo estilo tipográfico, que foi marcante em sua época?

Logos em Helvetica

Acusar o projeto de plágio ou excesso de inspiração por usar um estilo tipográfico que é usado por outras marcas é um pouco desconexo, não acha? Usar de tal expediente como principal argumento para denegrir um projeto e coloca-lo numa categoria de escória é triste. Claro que o novo logo da Avon não vai ditar tendência, não é disruptivo, mind blowing. Contudo ele cumpre bem seu papel. Ponto.

E me contentar com um trabalho que cumpre bem o seu papel não é nivelar tudo por baixo; ao contrário, é entender que existem contextos, alçadas de aprovação, prazos e necessidades diferentes para cada projeto. No fim, restrições fazem parte do Design e projetar dentro de tais restrições torna-se o grande desafio de todos os designers. Projetar algo que funcione dentro dessas restrições é o objetivo. Cannes só serve para impressionar os colegas de profissão e para pedir aumento de salário. Para clientes e usuários de nossos projetos, o que importa é que o que estamos entregando a eles funcione.

E é nítida a diferença que o novo logo da Avon fará nas suas peças e aplicações. Como disse acima, estou bem curioso para ver como isso irá funcionar dentro do universo de submarcas da empresa, mas provavelmente irão encontrar um solução para isso também. Pelo menos assim esperamos.

Evidentemente que a frase generalista que direi a seguir não tem por objetivo colocar todos dentro do mesmo saco, mas é incrível como as novas gerações de designers são tão superficiais como a minha no que diz respeito a pensar design. Mais incrível que os designers da minha geração, agora na casa dos 30 anos e tecnicamente mais experientes, continuam a se portar de forma tão frívola.

Claro que não posso deixar de lado o contexto que vivemos atualmente, onde todos tem opinião sobre tudo na internet; onde somos extremamente tóxicos com outros usuários da rede sem qualquer razão; onde a opinião de um vira rapidamente a opinião de todos. Mas mesmo assim, profissionais e aspirantes a profissionais deveriam, na minha concepção, serem mais empáticos ao menos quando se trata de assuntos profissionais! Ou pelo menos parecer mais profissionais em suas análises. Não sou contra críticas, minha intenção não é defender corporativismos.

A esperança mora na comunidade de designers da área de tecnologia: ela é mais aberta, mais preocupada com contextos, porquês e resultados. Não obstante, são essas mentes que estão ocupando o lugar a mesa nas grandes empresas, sejam startups ou não, e que estão de forma metódica, aplicada, empática e embasada fazendo o que poucos designers gráficos fizeram: resolvendo de fato problemas. Entendendo que estão onde estão para resolver problemas.

A verdade é que enquanto houverem designers mais preocupados em discutir logotipo x logomarca (tem essa em todos os posts de redesign) e coisas do gênero, não teremos o salto de reconhecimento que todos anseiam.