Design virou commodity

Por Luis Alt

10 de outubro de 2011

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Ir para Londres é uma experiência estranha. Se existe algum lugar no mundo onde o design virou obrigação é lá. Parece clichê, até bobagem dizer algo assim, mas do momento em que pisamos no aeroporto de Heathrow até o momento que … pisamos de volta no aeroporto de Heathrow, somos bombardeados por bom design. E não estou falando apenas da estética das coisas, mas que fique claro, também me refiro muito a isso. A palavra aqui é solução.

Faz pouco mais de 2 semanas que retornei de lá após o encontro global de nossa empresa e a constatação conversando com toda nossa equipe que também passou a semana lá foi unânime: temos um longo caminho pela frente aqui no Brasil. Citarei alguns breves exemplos que valem a pena ser compartilhados.

M&S – Simply Food

Já no aeroporto encontra-se um dos meus lugares preferidos de Londres: a loja especializada em comidas da rede Marks&Spencer. Se você já se pegou comprando produtos apenas por suas embalagens, então minha recomendação é que você passe longe desse lugar. Trata-se do melhor exemplo de gestão de design e branding que eu já tive contato, uma simples passeada nos seus corredores e você, mesmo já tendo comido algo, se vê com vontade de experimentar desde wraps de avocado até batatas chips industrializadas. Se você acha que estou de brincadeira, dê uma olhada na embalagem desses produtos …

 

Hotel Town Hall

Para quem gosta de arquitetura e design de interiores, esse é o exemplo que não poderia faltar. Descobrimos por lá um hotel que antigamente era sede da prefeitura da região onde estávamos, o qual foi completamente reformado para se transformar em um hotel. O contraste do antigo com o extremamente novo para mim é inexplicavelmente bonito e na Europa sabe-se administrar isso como em poucos lugares. Vou evitar falar muito sobre o hotel, as fotos falam por si só …

 

Flower Market

Perto do hotel havia um mercado de flores e decidimos conferir. Ao chegar, uma daquelas sensações inesperadas de quem descobre algo fora do roteiro tradicional londrino. Uma rua repleta de floricultores gritando na briga por se desfazer do maior número de flores e plantas possível, em um contexto tipicamente britânico. O melhor, tudo isso em uma rua onde ateliês de jovens estilistas se misturam com cafés e pequenas lojas de decoração. Ao caminhar pelas pouco mais de duas quadras que o mercado ocupava vimos desde um vídeo musical independente sendo gravado até uma intervenção feita por uma pessoa fantasiada com uma cabeça de lobo gigante costurando no segundo andar de uma das lojas.

 

Southbank

Partindo para regiões mais turísticas, o que se vê claramente é que o design está em todos os lugares. Chegar em Southbank, seja atravessando a linda ponte peatonal Golden Jubilee desde a estação de metrô do outro lado do rio, ou passando por baixo dos trilhos do trem vindo de Waterloo a cena sempre se repete: somos surpreendidos por soluções simples e interessantes que algumas vezes tornam nossas vidas mais fáceis ou as vezes nos fazem refletir sobre determinadas coisas. Um exemplo de produto dessa última categoria é um estacionamento para bicicletas que ocupa a vaga de um carro na rua. Para passar uma mensagem de que uma pessoa em um carro é um desperdício ou, claramente, que bicicletas são mais sustentáveis, essa solução foi transformada em … uma silhueta de um carro. Genial, não?

 

Mas não precisamos parar aí, pois outros pontos surpreendentes dessa jornada estão desde a visualização da informação em totens urbanos mostrando mapas da região (como se a cidade fosse um verdadeiro shopping a céu aberto) e o excelente restaurante indiano pop-up Dishoom, um dos lugares mais cools que tive a oportunidade de ir enquanto estive em Londres.

 

Serviço de imigração IRIS

Como não poderia deixar de ser, é claro que vou dar um exemplo de um serviço. Na live|work temos um conceito que chamamos de Service Envy ou “serviços de darem inveja”. O objetivo básico é o seguinte: por que não criar serviços que as pessoas que o utilizem tenham orgulho de fazê-lo e as pessoas que não tenham acesso a esse serviço o desejem? Indo um pouco mais longe, como podemos fazer com que empresas concorrentes tenham inveja do serviço prestado e das soluções propostas por nossos clientes? Evite pensar no mercado de luxo, estou longe de me referir a esse tipo de acesso. Talvez, sim, aquela inveja que nós brasileiros possamos ter por europeus conseguirem utilizar o Spotify ou os americanos a Netflix …

Nesse caso de Service Envy, um dos exemplos de serviço que eu senti na pele logo na chegada a Londres foi IRIS, da BAA (A Infraero de lá). Enquanto meros mortais enfrentavam filas enormes para passar pela imigração (incluindo ingleses e passageiros de primeira classe), a BAA criou um serviço que permite que o usuário cadastrado em seu sistema atravesse, sem filas, por uma cabine com um leitor ótico que torna o processo de registro de entrada no país a prova de fraude, mais exato e rápido. Bom para o aeroporto, para as autoridades e para o passageiro. Ver aquelas pessoas cadastradas passarem em 5 segundos pela imigração enquanto eu tive que esperar 50 minutos em uma fila foi a experiência mais assustadora relacionada a Service Envy que já tive.


O mais impressionante de tudo é que Londres está recheado de histórias assim e tive que parar de escrever apenas porque percebi que não sei até onde esse texto me levaria (e quanto tempo mais eu continuaria lembrando de exemplos interessantes). A questão fundamental aqui é: sabe aquela lojinha de esquina? Tem design. Sabe aquele produto direcionado para classes menos privilegiadas da população? Também tem design. Sabe aquele serviço público que você está acostumado a não esperar nada dele? Incrivelmente, tem design.

Existe uma exigência por bons produtos e claramente isso se reflete na qualidade dos materiais, na forma como eles funcionam e, claro, na forma como se apresentam para o consumidor. Continuaremos longe desse patamar enquanto tivermos pessoas dispostas a pagar apenas o preço mais barato sem se importar com a qualidade do que estão comprando (o famoso barato que sai caro). E, também, enquanto estiverem do outro lado do balcão empresários em busca da maximização constante de seus lucros à qualquer custo (mesmo que isso signifique estimular a massificação do mau gosto). A retórica do “tem que ser feio/ruim/barato porque meu público gosta assim” deve ser combatida e nosso papel como designers é questionar constantemente esse pressuposto. Londres é um bom exemplo a ser seguido. Em Londres, quem diria, design virou commodity.