Logo Londres 2012: um briefing, uma solução

Por Daniel Campos

14 de agosto de 2012

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Aloha!

Parece que foi ontem. Há quase 4 anos atrás escrevi o artigo que catapultou o LOGOBR no cenário da então fervilhante blogosfera sobre design no Brasil. Eu falava do logo recém lançado para as olimpíadas Londres 2012. Fui contundente, agudo e voraz em minhas opiniões. Opiniões. Sim, foram duas. A primeira, de alguém que acabava de olhar para o logo; a segunda, de alguém que tentou pensar um pouco.

Os anos foram passando. Fui estudando mais, trabalhando mais, aprendendo mais. E se tem algo que não me envergonho é de mudar de opinião, de rever o que eu considero certo e errado. Não que eu tenha mudado de opinião em relação à 2008, na verdade eu saí do muro. Comecei a escrever esse artigo em dez/11, pois lá eu já percebia que ainda tinha algo a ser dito sobre isso. Logo, esse segundo texto não tem nenhuma motivação a mais do que a de registrar minha visão sobre o projeto em 2012. É até um exercício pra mim, de rever e rescrever sobre algo que já escrevi. Não farei análises, são apenas palavras que expressam minha atual opinião.

Por se tratar de um texto diferente do que costumo fazer, a estrutura dele também será diferente. Ele está dividido em pequenas partes, onde faço breves comentários sobre pontos específicos do projeto que são relevantes e que eu não comentei da última vez, ou que comentei mas que não reflete mais a forma como enxergo isso. Bom, vamos lá!

Investimentos

Em 2011 estive no abcDesign Conference, onde a Wolff Olins esteve presente. E algo muito interessante que eles mostraram para nós foi que Londres 2012 é a marca olímpica que mais atraiu investimentos. Investimento, penso eu, quer dizer patrocínios, certo? Patrocínio significa, penso eu, empresas querendo atrelar suas marcas à marca Londres 2012, certo? E o que seria de uma marca olímpica se essa não pudesse atrair investimentos, certo? Com certeza, uma das razões de existência de uma marca olímpica é a de trazer dinheiro para a cidade, para o pais e para o COI e o comitê organizador.

Em menos de 1 ano de lançamento, Londres 2012 já tinha atraido mais de 400 milhões de libras em investimentos. Em 1 ano. Mais de 1.2 bilhões de reais. Em 1 ano. Ou seja, a marca funcionou.

A ambição

Hoje, ao ler o briefing do projeto (disponível no site da Wolff Olins) que está traduzio logo abaixo, consigo enxergar que o trabalho da agência londrina responde ao problema lá apresentado. Problema não, a ambição do comitê organizador. E ponto. É só isso: um briefing resolvido. Faço questão de falar isso pois, ao analisarmos esse ou outro projeto de forma crua, baseado apenas em alguns segundos exposição a estética inicial (que no caso de Londres 2012, foi quase que aposentada), tentando “adivinhar” o processo, dizendo que é feio, que foi feito as pressas, que isso ou aquilo, nos tornamos no mínimo medíocres.

Segue o briefing do projeto, segundo o que foi postado no site da Wolff Olins, em tradução livre:

Ambição
A candidatura de Londres para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2012 foi como nenhuma outra. Ela prometeu que iria inspirar a juventude do mundo. Participar, envolver e entusiasmar – mudar vidas. Ela prometeu colocar os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos no centro da vida contemporânea. Para conseguir isso, Comitê Organizador de Londres precisava de uma marca poderosa, que pudesse inspirar e envolver  uma audiência global de 4 bilhões de pessoas. Uma marca que poderia fazer os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos mais relevantes, acessíveis e inspiradores do que nunca.

Ação
Nós trabalhamos com Comitê Organizador de Londres para definir uma ambição clara para Londres 2012. Estes jogos deviam ser todos. Eles chamariam as pessoas a desafiar-se – tentar coisas novas, ir mais longe, descobrir novas habilidades. A marca que criamos apoia esta ambição. O emblema (signo, símbolo) é um 2012, um símbolo instantaneamente reconhecível e com uma forma universal – que já está intimamente associado com os Jogos de Londres. É bold de foma não convencional, deliberadamente espirituoso e inesperadamente dissonante, ecoando qualidades de Londres, de uma cidade moderna, nervosa. Não contém imagens desportivas, nem imagens de marcos de Londres. O emblema mostra que os jogos são mais do que Londres, mais do que esporte. Os Jogos são para todos, independentemente da cultura, idade e idioma. O emblema foi concebido para ser preenchido, para conter preenchimentos e imagens, por isso é reconhecido o suficiente para que todos possam sentir e ser parte de Londres 2012.

Impacto
A ambição – de todos – já está moldando Londres 2012 e criando parcerias. Pela a primeira vez, os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos irão compartilhar a mesma marca, utilizando a sua própria variante do emblema. Não menos importante, a Olimpíada Cultural será capaz de compartilhar a marca. Com a adição dos parceiros comerciais, esta será a marca olímpica mais coesa na história. As novas tecnologias estão sendo colocadas em prática para que todos estejam mais perto da ação e mais profundamente envolvido. A mídia digital será usada para criar uma Olimpíada em que todos possam jogar uma parte, estejam onde quer que estejam. A marca que criamos irá moldar a experiência de 2012. Vai levar os jogos além do esporte, criando maior interesse e inspiração ainda maior. Ela vai criar as Olimpíadas para todos.

[Press release da Wolff Olins. Os destaques são meus.]

A ambição de comunicar jogos olímpicos de todos é muito bem cumprida! O fato de não haver símbolos/marcos londrinos ou britânicos não é uma escolha sem fundamento. É deliberadamente uma solução para a ambição que o Comitê Organizador tinha. De fato, é uma marca que não vende Londres ou Jogos de Londres de forma direta. Vende as Olimpíadas de forma maior, mais abrangente. “O emblema mostra que os Jogos são mais do que Londres, mais do que esporte”. E não podemos falar que isso é commodity. No projeto para Rio 2016, fica evidente o desejo de algo mais humano, que representasse o Brasil, o Rio, os cariocas, e o povo brasileiro. Essa era o briefing, que também foi resolvido.

Outro ponto interessante de comentar é que a solução de design da Wolff Olins para os logos olímpicos entrega o mesmo design tanto para as Olimpíadas quanto para as Paraolimpíadas. Trata-se de um único evento agora, sem distinção. Ao pensar rapidamente a respeito chego a conclusão que isso, provavelmente, trouxe mais investimentos para as paraolimpíadas. Tornou-se um único evento, e não dois que são separados por tempo, dinheiro e mídia.

O design

Com um briefing como esse em mãos e com as mentes presentes em seu staff, a Wolff Olins tinha a faca e o queijo. Eles tinham tudo para re-escrever a história do design gráfico para Olímpiadas. Hoje muito se fala da inovação desse logo.

Mas tem algo que ainda não vi ninguém comentar: além de unificarem os Jogos Olímpicos e os Jogos Paraolímpicos, a Wolff Olins criou uma marca que resolve talvez o maior problema de comunicação para logos de Olimpíadas: o excesso de elementos.

Não precisamos ir muito longe para saber que isso é um problema e que cria outros. Algumas das críticas dirigidas ao logo de Rio 2016 é que o símbolo e o lettering são duas marcas distintas. Basta ver que no próprio video de lançamento da Tátil que eles falam da dificuldade de conseguir um lettering que conversasse com o símbolo.

Uma marca olímpica tem que ter três elementos: o símbolo, o lettering (nome da cidade e o ano) e os anéis olímpicos. A marca paraolímpica tem um quarto elemento: o lettering “paralimpyc games”.

Com o briefing/ambição de jogos para todos, inclusão, envolvimento, mudar a história e etc, a Wolff Olins projetou um logo olímpico inédito: ele reúne todos os elementos num único emblema. Nome da cidade, ano do evento, anéis olímpicos e o próprio símbolo do evento (um 2012 estilizado). É uma verdadeira síntese visual. Além disso, cria uma plataforma para qualquer imagem: o logo se torna uma máscara e traz Londres 2012 para qualquer parte do mundo. Mais uma vez, é o briefing sendo atendido. Ou seja, o logo funciona.

E tenho que concordar que quadrados são mesmo forma universais. A composição de quadrados que cria o número 2012 é isso: alguns quadrados que só querem escrever 2012. E só. Sem grandes significados. Isso fica para as imagens que irão ser colocadas dentro do logo. Aliás, o grande significado dele é esse: nada de Londres, nada de esportes. Tudo “de mundo”.

A meu ver, essa solução de unificar todos os elementos numa solução visual única beira o “como ninguém pensou nisso antes?”. E o fato de tudo isso se tornar uma só solução visual, coesa, fechada e única abre possibilidades de uso e aplicação da marca como jamais foram vistas nas Olimpíadas. Quero dizer: se o logo aparece, ele aparece completo. Não importa o tamanho, não importa o espaço. Se é o logo, ele está lá. Completo. Soberano.

Existem duas aplicações possíveis: o logo das Olimpíadas com tudo, sem tirar nenhum elemento; ou o lettering Londres 2012. E acabou. Sem ramificações, sem cinco ou seis versões.

Alguns problemas corrigidos

No decorrer desses 4 anos, ficou claro que algumas decisões de design da Wolff Olins foram revistas. Escolhas como o sombreado amarelo praticamente desapareceram. Confesso que nas transmissões das Olimpíadas que vi, não apareceu o logo com sombra amarelo. Nenhuma vez.

Outro ponto muito criticado que foi revisto é o nome da cidade que agora aparece com a primeira letra maiúscula. Provavelmente isso não foi refeito no logo pois este já estava registrado. Estou especulando, mas o fato é que as duas decisões questionáveis foram revistas.

A identidade

“Daniel, um logo muitas vezes só se revolve e ganha vida quando está funcionando junto com sua identidade visual.”

Ouvi essas palavras de um amigo designer, Emerson Duarte, quando eu era estagiário. E até hoje vejo isso como verdade, e Londres 2012 prova que isso tem sentido. Alguém ai não se apaixonou pela identidade visual do evento? E antes que falem: eu sei que a Wolff Olins foi responsável apenas pela concepção do logo e que a identidade visual foi criada e desenvolvida pela FutureBrand. Mas vocês verão nas imagens abaixo que o trabalho da FB foi 100% baseado no que a WO fez. Acredito que nem poderia ser diferente e isso não tira o mérito de nenhuma das duas agências.

Para quem assistiu alguma transmissão ou nas imagens, pode ver que a identidade é baseada em linhas que, ao se cruzarem, formam polígonos. Estes por sua vez, recebem valores de matiz e saturação diferentes o que muda a tonalidade interna desses polígono com base na cor usada como background na peça. Agora a pergunta: sabe de onde veio essa “malha” de linhas?

A partir dessa imagem acima, a FutureBrand criou a identidade visual inteira do evento, incluindo a pintura das cadeiras do Estádio Olímpico e dos ginásios. Não apenas ela, mas designers de produto e outros profissionais se basearem nisso para suas criações para Londres 2012.

Correndo o risco de ser redundante: o grid do logo proporcionou um meio fácil para que outros profissionais e empresas criassem seus trabalho para Londres 2012 sem perder a identidade do evento. Mais que isso: um grid que mateve a identidade visual em tudo mas que não degolou a liberdade de criação.

Ou seja, a identidade e o grid funcionam.
(ps: não, não acredito que o grid tenha vindo antes do logo. Mas, isso diminui sua importância?)


Aplicações do logo em diversos tons, cores complementares e um uso alucinado de rosa e violeta. Simplesmente belíssimo o comportamento da marca.

Clichês? Não com meu briefing, obrigado.

“Mas cadê o Big Ben, a London Eye e o Gherkin? Isso ai não me remete a Londres.” Não remetia até agora, pois daqui pra frente esse logo será um símbolo de Londres. Argumentos como esse saem do mesmo lugar que produz coisas como “mas se minha empresa é uma pizzaria, porque não tem uma pizza no logo?”, ou se não: “eu tenho uma gráfica, portanto meu logo deve ter as cores ciano, magenta, amarelo e preto”.

Ok, isso se chama paridade e é valido. É um recurso a ser usado dependendo do projeto (lê-se problema) se tem em mãos para trabalhar (lê-se resolver). Mas nesse briefing havia pedidos de “não clichês londrinos” e  uma ambição gigante de mudar a história do evento.

Logo, se existe um briefing que pede por menos paridade e clichês, por que reclamar da falta destes? O cliente pediu, a Wolff Olins resolveu! E nunca é demais lembrar que, depois de uma marca ser lançada, as formas do logo passarão a remeter a ela, sejam essas formas quais forem. Para o bem e/ou para o mal.

Eu sempre digo algo aos meus clientes e amigos: nosso trabalho (como designers) é resolver problemas, vender ideias, construir ambições. Tudo isso com a melhor estética possível. Não adianta querer ser inovador se seu cliente não tem essa ambição. Não adianta querer ser artístico se o problema do seu cliente ou do briefing é resolvido com um quadrado preto. O que temos que fazer é claro: pegar um problema e/ou uma ambição e criar para resolver. O trabalho da Wolff Olins é isso: o cliente (Comitê Organizador) era extremamente ambicioso e queria mudar a história das Olimpíadas. Eles foram lá e criaram algo que potencializava a ambição do seu cliente. E ponto.

Conclusão

Um projeto de branding para uma marca vai muito além suas manifestações visuais, Jason Little da Landor já falou sobre isso. O Design (Gráfico, de Produto e etc) são os ídolos do branding. Eles que são venerados, adorados, desejado, comprados. Vemos que o design gráfico para essa marca, quando mostrado somente como um logo, foi recebido com estranheza pela maioria de nós. Como comentei no texto de 2008, o perigo desse “não-gostei-geral” era da marca não conseguir grana (investimentos) e poucas vendas.

Entretanto, passado o pesadelo inicial e alguns anos, vemos que a marca Londres 2012 é sucesso absoluto. A maior olimpíada de todos os tempos, com a maior quantidade de investimentos de todos os tempos! Se isso não é sucesso para uma marca, levando em consideração que elas buscam por lucros, o que é então? Pode não ser o único, mas é o primeiro objetivo.

Vendo o uso do logo hoje, a identidade, os ajustes no meio do caminho, os valores arrecadados, tenho que dizer: a Wolff Olins sabia (de novo) o que estava fazendo.

A Wolff Olins + COI venceram. O design quebrou paradigmas, enfureceu, convenceu, influenciou. E o mais importante: moldou parte importante de uma grande marca, a que mais atraiu dinheiro para uma edição de Olimpíadas. O design funciona. Gostem ou não, funciona.