Logo Rio 2016: Design para donas de casa

Por Daniel Campos

12 de janeiro de 2011

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Aloha!

Há 12 dias o mundo conhecia as Olimpíadas do Rio de Janeiro sob seu primeiro lampejo de identidade visual. O logotipo tão esperado foi mostrado momentos antes da meia-noite do dia 31 de dezembro de 2010. Era o projeto vencedor, produto do escritório Tátil e de uma concorrência entre 139 agências.

O logotipo oficial

Diversos significados foram dados ao desenho, como a representação de atletas em seus esportes (goleiro, atacante no voleibol, remador e alguns outros); a palavra RIO e uma clara inspiração nas formas do Pão de Açúcar.

Como não é do feitio desse site repostar tudo que já rolou na internet sobre o assunto, mas é do feitio desse site tentar trazer artigos completos que reunam os principais links, abaixo seguem videos e imagens sobre o projeto, só pra você ficar por dentro.

Making Of

Imagens e argumentação oficial sobre o projeto no Behance da Tátil

Fred Gelli e equipe da Tátil falam do projeto no telejornal carioca RJ

Jornal Nacional fala com cariocas e turistas sobre o logotipo

Video de lançamento do logotipo

Análise de Rodolfo Capeto e Elianne Jobim (pró)

Análise de Mario Amaya (contra)

Análise no BrandNew (pró)

Manifesto Rio 2016 do Caligraffiti

PS: eu tinha um video com a modelagem 3D do logotipo, mas ele foi retirado no Vimeo. Uma pena.

E falando do logotipo em 3D, taí algo que achei interessantíssimo. As possibilidade de aplicação e interação são inúmeras.

O lettering

Fica claro que o lettering derivou das mesmas curvas e pretensões do símbolo. Podemos ver um trabalho cuidadoso para dar equilibrio a composição, já que geralmente numerais são desproporcionais as letras minúsculas. O uso de numerais old style também pode ter sido descartado pela procura do equilibrio de uma linha base no desenho. A solução foi usar os pares “io” e “01” como itens de ligação entre as “capitulares” R, 2 e 6. Um estilo de ligadura diferente também foi usado para linkar os caracteres, provavelmente buscando um sabor humanístico, de escrita a punho. Contudo, mesmo não sendo um especialista de primeira linha, tenho a levíssima impressão de que o kerning entre o 1 e 6 está um pouco avantajado. Algo que também poderia ser diferente são os caracteres “o” e “0”. Geralmente o zero tem seu espaço em branco interno mais estreito quando comparado ao “o”. No lettering, tenho a impressão de ver esse dois glifos invertidos.

Mas claro, são duas observações pessoais e que não tiram a excelência e a beleza do trabalho, que me agradou muito e que, acredito, conversar muito bem com o símbolo. E outra: se existir qualquer tipo de aplicação onde somente aparecerá o lettering, ele representa muito bem todo o logotipo e, quando está junto com o símbolo, não o agride, tampouco desvia a atenção para si. Um ótimo trabalho.

Estudos

No video de Making Of feito pela Tátil (o primeiro video lá em cima), durante a fala de Fábio Lopez, provável responsável pela parte tipográfica do logotipo, aparecem diversas imagens dos estudos feitos para o logo. Elas passam muito rápido, por isso não dá para olhar com calma. Resolvi printar algumas dessas imagens pra gente poder ver com calma alguns caminhos que eles trilharam até chegar no resultado final.

O estudos mostram, não apenas as diversas experiências tipográficas que evidenciam a fala do Fábio no video, mas estudos de cores, tonalidades, posicionamento dessas cores, cores chapadas e com volume, gradientes, grayscale, preto e branco. Tem estudos de aplicações do logo, refinamento de linhas, outros logotipos (como Barcelona 92, Atlanta 96, Sidney 2000, Atenas 2004, Pequim 2008, Vancouver 2010, Londres 2012, Sochhi 2014 e Copa 2014) postos ao lado do logo do Rio, variações na própria aplicação do logo e outras coisas.

Só para registrar: essa imagens não foram vazadas. São prints do video que a própria Tátil postou na web ok.

ALÉM DO LOGOTIPO, OUTRAS HISTÓRIAS
O processo de escolha

Aos que não sabem, o processo de escolha do escritório que iria fazer esse projeto começou em abril de 2010 e contou com um grau de transparência de dar inveja na FIFA. Com a ajuda da ADG, o Comitê Organizador e o COB lançaram edital do concurso, com prazos estabelecidos, valores e condições para participar. Algo interessante que o professor Gabriel Patrocínio diz eu seu blog Políticas de Design é que o edital foi elaborado com base nas recomendações do Icograda, Conselho Internacional de Associações de Design Gráfico, com regras claras e justas.

Concorrências públicas e licitações de design devem ser conduzidas por associações profissionais de designers, ou com seu contínuo assessoramento. Existem regras claras e internacionalmente aceitas para gerenciar esses processos, desenvolvidas após décadas de experiência por instituições como o Icograda e o Conselho Internacional de Sociedades de Design Industrial, ICSID. Ignorar isso expõe ao risco o processo e os resultados. Prof. Gabriel Patrocínio

Pois bem, 139 empresas entraram na concorrência até que restaram oito. Esssas receberam um pró-labore para a criação de suas propostas. Essas foram: Brainbox Design, Dupla Design, Future Brand, Gad Design, Soter Design, Studio Lúmen, Tátil Design e Vinte Zero Um.

Dos projetos apresentados por esse oito escritórios de Design, a Tátil ganhou. Então você deve se perguntar: mas quem decidiu isso? Se você está falando do Juri que escolheu um dos oito projetos, ai vai a lista:

1- Carlos Arthur Nuzman – Presidente do CO da Olimpíadas Rio 2016
2- Leonardo Gryner –  Diretor Geral do CO de Rio 2016
3- Beth Lula – Gerente de Branding do CO de Rio 2016
4- Michael Payne – Consultor independente de Marketing
5- Brad Copeland – Designer gráfico e fundador da Iconologic, empresa de 30 anos de design de marcas em Atlanta
6- Theodora Mantzaris – Designer e fundadora da empresa de consultoria de marcas Theodora Mantzaris&Company em Atenas
7- Scott Givens – Fundador da empresa de criação e produção Five Currents, na California
8- Ricardo Leite Designer e sócio-diretor de criação da Crama Design Estratégico
9- Roberto Fernandez –  Diretor Geral de Criação da JWT
10 – Ricardo Cota – Subsecretário de Comunicação Social do Governo do RJ
11 – Marcella Muller –  Coordenadora de Comunicação Social da Prefeitura do Rio
12 – Jeanine Pires – Presidente da EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo

PS: Para um perfil detalhado de cada um, veja o post da abcDesign.

Pois bem, fazer um paralelo desse processo com o “processo de escolha” de quem faria o logotipo da Copa FIFA 2014 é inevitável. Como não desejo ser repetitivo, vou resumir tudo numa só palavra: seriedade. Quem quiser saber mais, pode ler o texto do LOGOBR Logo Copa 2014: Design e Negócios.

Original ou não

O que mais bombou na internet logo após o lançamento do logo foi o suposto plágio. Eu realmente não vou nem colocar as imagens comparando o logo das Olimpíadas com o da Telluride Foundation que é, me perdoem os que defendem tal ideia, descabido. Douglas Cavendish disse muito do que penso sobre essa história de plágio.

Mas, mesmo assim, gosto de ser literal no que expresso. Olhe bem os logos a seguir:

(imagens enviadas por @cadaumcoseu, @tgo_bob e @rafa_arruda)

Essa história de falar que é plágio apenas por terem pessoas abraçadas é muito descabido. Sendo assim, todos os logos que usam coração, um leão, uma xícara ou qualquer outro signo da cultura visual popular são cópias um dos outros? Endosso a defesa que o Douglas faz sobre o que é plágio e o que não é.

Não existe qualquer resquício de plágio no projeto da Tátil. Pessoas se abrançando? Ah, por favor. Faço aqui a pergunta que fiz ao UOL: a Telluride Foundation e/ou os decendentes de Henri Matisse tem os direitos sobre imagens de pessoas se abraçando? Acho que não.

Isso sem contar que o COI junto com os comitês organizadores de cada Olimpíada sempre fazem uma varredura mundial no que tange a direitos de propriedade intelectual. Essa é uma prática corriqueira a qualquer escritório de design em qualquer lugar mundo em relação a seus projetos, guardadas as proporções de alcance de cada um. Como o COI não faria o mesmo com as marcas que são as mais vistas do mundo de tempos em tempos? Esse logo será mostrado a mais de 4 bilhões de pessoas. Se eles aprovaram e lançaram, é porque isso já foi aprovado em todos os orgãos de proteção a propriedade intelectual do mundo. E não estou dizendo isso porque o diretor de criação falou em dois do diversos videos postados acima. Isso é lógico.

PS: ao pedir por logotipos que tenham pessoas se abraçando ou mesmo que usem de itens do cotidiano de todos, recebi uma enxurrada de links. Infelizmente não pude usar todos no artigo, mas tem uma hashtag no Twitter onde estamos registrando esses logos para que todos vejam. Quem quiser enviar e/ou dar uma olhada no que estão mandando, só procurar por #Rio2016LOGOBR.

Design para designers

Li um comentário no Twitter que dizia “mas no fim de tudo, só é mais do mesmo”. Bem, pode até ser, mas é um projeto que divide águas no design nacional e na forma como ele é visto pelo mundo. Se tudo correr bem, mostraremos que temos profissionais capacitados para grandes projetos. De fato nao é um desenho ou conceito revolucionário (a não ser pelo “3D”) pelo contrário, é aquela velha solução de “pessoas pictóricas a la Otl Aicher” acrescido do sempre presente Pão de Açúcar quando se trata do Rio.

Mas analisar e formar opinião sobre o logotipo com base nesse clichê seria, no mínimo, falta de atenção a tudo o que ele representa. Estamos falando das Olimpíadas. É bem provavel que o briefing pediu algo humano, enérgico, quente, com movimento, acolhedor, coletivo, bem brasileiro e outros ítens que, aqui ou na China, levariam a uma solução não revolucionária. Aliás, algo previsto por Chico Homem de Melo no melhor artigo pré e pós apresentação do logotipo que li até agora.

O símbolo criado para a Copa de 2014 causou um misto de repulsa e indignação; enquanto isso, o símbolo da Olimpíada de 2016 está prestes a sair do forno… O que podemos esperar dele? Outra surpresa desagradável? Ou um projeto tecnicamente correto e competente? Ou, quem sabe, o espanto da linguagem?

Aposto minhas fichas na coluna do meio: vem aí correção e competência. O que já é uma grande notícia para o design brasileiro. É verdade que poderemos ter outra má surpresa, mas acredito que não vamos perder dois jogos seguidos. Já o milagre – o projeto surpreendente, a subversão das expectativas, a invenção da linguagem – é incompatível com o próprio processo de escolha. Chico Homem de Melo

E isso era inevitável, não só do lado nosso que precisava de um projeto melhor do que da Copa, mas também do lado do cliente (COB e COI), depois de todo o barulho que o logo de Londres 2012 causou. Ali o COI + o Comitê Olímpico Inglês arriscaram, chamou gente que sempre tem a cabeça lá nas alturas e deve ter dado uma liberdade absurda. Pois, pense comigo: se o COI não desse tal liberdade para a Wolff Olins desde o briefing, você acha que eles aprovariam o logo? Claro que não. Logo, por conta disso tudo, era quase que inevitável um logo competente mas dentro de parâmetros pré-estabelecidos e sucesso quase certo. Não estou dizendo que o projeto para Londres é ruim e o do Rio é maravilhoso. Tampouco que do Londres é lindo e que do Rio é uma merda. Estou falando de possíveis espectativas diferentes do cliente em ambos os casos.

Londres foi e é revolucionário. Aos poucos começo ir com a cara do logo. Depois de algumas aplicações que vi, até o achei simpático. Rio foi é um caminho comum, mas feito com competência. Agora deixo uma pergunta: pensando como um dos 3.8 bilhões de pessoas que verão as Olimpíadas além de nós: quem tem mais cara do quem: o logo de Londres em relação a Inglaterra ou do Rio em relação ao Brasil?

Detalhe: sempre o caminho comum será aceito mais facilmente do que o incomum. Isso é inerente do ser humano. Não podemos esquecer que também, além de ser belo e quando possível revolucionário, o design tem que funcionar, responder ao briefing, comunicar o que precisa, melhorar a vida/momento/experiência das pessoas, não ter problemas de aplicação, gerar receita e etc. Estética é limitado e/ou expandido pela capacidade dos olhos de quem vê. Olhe o meu caso em relação ao projeto para Londres 2012.

Design para donas de casa, taxistas, engenheiros, turistas, flanelinhas…

Porém, por outro lado, é nítido que as pessoas gostam do logo. E aqui entra um dos maiores paradoxos do mundo dos semi-deuses chamados designers: o produto de nosso trabalho é para reles mortais que desconhecem gestalt, trends, história da arte e outras coisas. Mas eles são mestres em algo: gostar de um símbolo/produto, passar a te-lo como parte de suas vidas e consumir produtos que fazem parte do universo desse símbolo/produto. E ponto. São eles que compram, eles que dizem se o design funciona, se melhorou alguma coisa para eles, se é bonito, se é cativante, se é bom o suficiente para gerar receita.

E é mais que claro que a grande maioria das pessoas gostam desse logotipo. Pergunte na rua, para sua mãe, para o amigo que trabalha no banco ou para a namorada que não aguenta mais ouvir você falar de Design. Basta observarmos os videos que estão no início do artigo. Seja carioca, bahiano, paulista ou gringo. As pessoas sorriem, tentam imitar, dançam (como foi relatado por quem esteve na orla de Copacabana na apresentação do logo), tiram fotos, querem uma miniatura para levar pra casa.

Não podemos dizer que o projeto não é ótimo, não podemos dizer que o projeto é revolucionário, não podemos dizer que as pessoas não gostaram. Ele simplesmente cumpre seu papel com muita excelência. Ponto para o Design brasileiro.

PS: só para registrar, a parte do semi-deuses e do reles mortais foi pura ironia.