Registro de marcas: as leis e o design

Por Escritores convidados

1 de novembro de 2011

Compartilhe esse post

Aloha!

Desde que o LOGOBR voltou a ativa com o novo site, passamos a contar com novos escritores. Entretanto, ainda existem temas que desejamos abordar mas que nossa equipe fixa não domina em sua plenitude. Por isso (continuando algo característico do site) convidamos outros profissionais para escreverem e disseminarem seus conhecimentos em nossas páginas.

Hoje temos um artigo muito especial falando sobre um tema que está em nossa pauta desde 2008: registro de marcas. Um tema muitíssimo importante que é pouco abordado nas faculdades e negligenciado por profissionais. E para piorar o cenário, difícilmente se encontra textos sobre. Entretanto esse texto tem algo em especial, ele trará o registro de marcas sob duas óticas, a da lei e do design, que são distintas mas que precisam andar juntas quanto se fala em projetar marcas. Para isso, convidamos a advogada Cecília Manara e o designer Guilherme Sebastiany.

Cecília Manara, advogada especialista em propriedade intelectual, sócia de Manara & Associados Propriedade Intelectual e coautora do Livro Propriedade Intelectual em Perspectiva. Ela escreve a primeira parte do texto, abordando aspectos legais do registro de marcas.

Guilherme Sebastiany é sócio fundador da Sebastiany Branding, escritório especializado em diagnósticos, estratégias e projeto de marcas. Ele escreve a segunda parte do texto, falando sobre como o registro de marcas pode/deve influenciar no trabalho criativo do designer.

Ambos se prontificaram a responder algumas dúvidas nossas, por isso usem dos comentários. Desde já, agradecemos imensamente à Cecília e ao Guilherme pela gentileza de usarem de seu tempo para escreverem para o LOGOBR. Vocês nos ajudam em nossa principal missão: disseminar conhecimento. Obrigado!

Aproveitem o conteúdo, é de primeira.

____________________________________________________________

O registro da marca sob a ótica de um advogado
por Cecília Manara

Do ponto de vista jurídico, a marca é definida como um sinal distintivo visualmente perceptível, utilizada para distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, ou seja, presentes no mesmo segmento de mercado, mas de origem diversa (vide arts. 122 e 123 da Lei de Propriedade Industrial).

Observando a definição legal na prática, temos a situação do consumidor em frente à gôndola do supermercado, ao optar por um produto ao invés de outro. Essa mesma condição se repete quando, diante de duas propostas comerciais de prestação de serviços, elegemos somente uma, em detrimento da outra. Note-se que, muitas vezes, a decisão de compra de um produto ou aquisição do serviço não significa optar necessariamente pelo preço mais baixo, mas, sobretudo, pela escolha da marca com melhor “fama” no mercado, junto aos seus consumidores.

Como é do conhecimento de muitos profissionais ligados à área da comunicação, a marca é uma ferramenta extremamente importante do ponto de vista estratégico, pois, tendo a finalidade de distinguir um produto ou serviço de outro, outorga à marca escolhida pelo consumidor uma grande vantagem competitiva. Tal fato se traduz em aumento de lucratividade à empresa envolvida nessa operação.

Muito embora sejam inegáveis os benefícios do uso da marca como estratégia de diferenciação e competitividade, um número ainda bastante elevado de empreendedores não leva a registro esse bem que, apesar de intangível, pode significar o ativo mais valioso de seu negócio. Acreditamos que essa pouca atenção ao registro da marca por parte do empresário deve-se ao desconhecimento de uma informação extremamente importante: no Brasil, só quem registra a marca pode ser considerado seu proprietário. 

Sendo assim, o simples uso não garante a proteção da lei, abrindo-se a possibilidade para que terceiros concorrentes o façam e essa situação é, infelizmente, bastante comum em nosso país. Em outras palavras, quem não registra a marca corre o risco de ter que pagar pelo uso dela, a um concorrente seu.

O registro da marca é realizado no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, e este processo dura hoje em torno de 3 a 4 anos aproximadamente. Muito embora o procedimento não seja rápido, já é garantido ao depositante (requerente) do pedido de registro o direito de zelar pela integridade e reputação de sua marca.

O titular de marca registrada adquire exclusividade de uso em todo o território nacional, dentro da sua área de atuação. Mas os benefícios do registro não param por aí, como se pode verificar adiante:

1) Combate à Pirataria/Contrafação: o direito de impedir terceiros quanto ao uso desautorizado de sua marca, ou de signos semelhantes, com a possibilidade de obter reparação judicial por eventuais prejuízos causados ao seu titular.

2) Segurança nos negócios e retorno do investimento: a certeza de que a marca escolhida pelo empresário não viola direito alheio. Isso evita que a empresa tenha que interromper o uso da marca, após ter investido consideravelmente nela, bem como fique à mercê do pagamento de indenizações por uso indevido de marca de terceiro.

3) Fonte de Receita: a marca pode ser licenciada a outras pessoas físicas e jurídicas e, em contrapartida, seu titular recebe royalties pela utilização. O signo pode fazer parte ainda de um projeto de franquias, gerando novas receitas ao seu proprietário.

4) Obtenção de Crédito: O BNDES já tem aceitado marcas registradas como forma de garantia na liberação de recursos financeiros.

Por tais razões, o registro de marca deve ser visto como prioridade na agenda do empreendedor que almeja estabelecer relações comerciais seguras e duradouras no desenvolvimento de sua atividade.

O registro da marca sob a ótica de um designer
por Guilherme Sebastiany

Foto: Giovani Castelucci

São poucos os designers de marcas que entendem a urgêrncia de um registro. Como resultado, além de nem terem a sua própria marca protegida (o que é grave), tampouco orientam seus clientes sobre essa vulnerabilidade. Ao olhar apenas para a criação, ignorando as necessidades estratégicas do negócio dos seus clientes, o designer sem perceber restringe o seu papel. Assumir uma posição estratégica, no entanto, não se limita em alertar seu cliente sobre o registro, mas sim, entender seu funcionamento e as questões que influenciam a criação da marca figurativa (visual) e nominativa (verbal).

Pode parecer estranho, mas o registro não significa automaticamente exclusividade de uso de uma marca nominativa (nome fantasia da empresa) em um determinado segmento. Garante apenas o seu direito de uso. Para que o registro se traduza em exclusividade o nome deve ser original no seu segmento*, por isso não podem haver nomes nem iguais nem similares previamente registrados na mesma categoria de negócios dentro do INPI. Ao criar um nome “genérico” para a marca, designer ou cliente podem estar abrindo portas para concorrentes desleais tentarem ganhar mercado pela semelhança e confusão com a sua marca. Absorvendo parte dos seus esforços de comunicação ou notoriedade.

Quando a empresa é nova e ainda muito pequena, esse futuro parece muito distante e improvável. Porém quando cresce e se torna conhecida, a economia de esforços no passado pode se tornar um grande passivo. Mudar o nome nesta fase, muitas vezes já não é mais uma opção, ou quando é, envolvem muitos custos de comunicação da mudança.

Uma vez registrada, a marca tem que ser continuamente monitorada para evitar qualquer tipo de cópia, semelhança ou parasitagem por parte dos concorrentes. Independente se registrada ou não, a adoção de marcas iguais ou similares por parte de concorrentes desleais infelizmente é uma realidade. Embora o registro e o acompanhamento do processo por um advogado especializado sejam as armas principais de combate a essa prática, muitas lacunas podem ser resolvidas na fase de criação, e poucos designers e mesmo advogados, sabem disso.

Quanto mais “genérico” for o nome de uma empresa, mais dependente da solução visual a marca será para conseguir alguma proteção. Nos casos onde o nome da empesa já existe, é genérico, e não há disposição nem possibilidade de mudá-lo, passa a ser papel da marca figurativa (sua forma visual) criar sua maior distintividade de mercado. Nestes casos a adoção de um símbolo original e distintivo pode ser parte da solução, porém novamente sua criação não pode ser apenas “estética”. A originalidade nestes casos deve sempre ser estabelecida frente ao tema do segmento. Por exemplo, nas áreas de importação e exportação, trading, e comércio exterior, são comuns as marcas com círculos, globos terrestres e setas. Mesmo com um desenho original de um globo, por exemplo, a proteção no segmento será limitada, pois o tema é comum. Se o nome for genérico será importante romper com o tema do segmento, se o objetivo do projeto envolver a proteção da marca contra concorrentes parasitas. Para conhecer o tema ou os temas de cada segmento, o designer deve fazer sempre uma pesquisa ampla de linguagem de categoria antes de começar o desenho, até mesmo para evitar que a marca que está criando seja ela mesma acusada de parasitagem ou plágio.

O exemplo acima, do símbolo de uma marca, é emblemático e comum, mas a proteção através da criação não se limita a ele. Em cada uma das partes da marca: nome, cores, formas, ícones, tipografia etc, a arma de proteção é sempre a personalização. Embora a originalidade em si não deva ser o objetivo de um projeto, e o rompimento com o segmento tampouco a única premissa de criação, quando há originalidade evidente em um projeto ela pode ajudar a comprovar a má-fé dos imitadores, seja na combinação de cores, grafismos, formas e desenho das letras.

No outro extremo, a falta de originalidade cria um excesso de lacunas, e parte do problema está no uso de fontes tipográfica: Ao adotar uma tipografia pronta para uma marca, por mais “original” que seja o seu desenho, ela é um recurso de uso comum, disponível para todos. Qualquer empresa pode utilizá-la, mesmo os seus concorrentes, sem que se possa fazer muito a respeito. Para piorar, se o conjunto da sua marca for um nome comum, com uma cor comum, com formas comuns e com uso de fontes no logotipo, mesmo que o conjunto final em si seja original, haverá pouca proteção. O imitador sempre poderá se defender com estes argumentos.

Recentemente vimos exatamente essa situação em nosso escritório. Fomos procurados por um empresário que havia comprado um e-comerce por 100 mil reais, sendo destes 20 mil em estoques (ou seja, os outros 80 referiam-se a marca, sua notoriedade relativa e o site com o sistema de e-comerce). O incomodava o fato de ter muitos concorrentes com marcas similares e gostaria de saber o que poderia ser feito. Segundo ele a marca já estava registrada, porém por ter um nome comum, a dúvida me levou a uma consulta ao INPI. Sim, a marca dele estava mesmo registrada, porém no processo o INPI não conferiu exclusividade as palavras do nome. Por ser genérico poderiam haver concorrentes com nomes quase idênticos aos dele. A logotipia, inserida em um selo azul, por ser trabalhada em um selo comum retangular e por usar uma tipografia pronta, não tinha nenhuma exclusividade, e para piorar, o “símbolo/mascote” da marca era a adaptação de um clip-art. Qualquer um poderia usá-lo. Ou seja, não havia nada a ser feito a não ser mudar tudo na marca, do nome ao visual. Uma pena.

No outro extremo se além das cores e das forma, também a grafia do logotipo do nome for um lettering original desenhado com exclusividade para a marca, e se ele for imitado pelo concorrente, será mais fácil comprovar a má-fé deste. Por isso mesmo é que devemos evitar ao máximo o uso de fontes em logotipos. Desenhar letras não é uma tarefa fácil se você não tem intimidade com tipografia. Não é a toa que o uso de fontes seja tão comum na criação de marcas, mesmo em alguns escritórios grandes, afinal, é muito mais fácil usar algo pronto, do que criar letra a letra a grafia do nome de uma marca. Concordo. Porém se buscamos que a criação assuma um papel estratégico tanto na diferenciação, quanto na proteção dos nossos clientes, aprender a “desenhar letras” pode ser mais importante do que parece.

Para concluir, percebam que não estamos discutindo como EVITAR a cópia, o plágio ou a imitação por parte de concorrentes desleais, mas sim em como criar argumentos para provar a má-fé de terceiros e defender sua marca em um processo. Infelizmente não há registro nem desenho que impeçam por si só a parasitagem. Mas o mesmo aprendizado que pode ajudar o seu cliente a se proteger, pode também ajudar a tornar o seu trabalho melhor, portanto não há porque não fazê-lo, a não ser por preguiça.

* É importante lembrar que no INPI o conceito de “segmentos de mercado” está classificado em 45 categorias (classificação de NICE) no qual portanto, áreas de atividades que podemos considerar “distintas” estão na verdade agrupadas, por exemplo:

Motéis e padarias estão ambos na classe 43 “Serviços de fornecimento de comida e bebida; acomodações temporárias” bem como bares, restaurantes, serviços de delivrey etc.
Escritórios de design e empresas de administração estão ambos na classe 35 “Propaganda; gestão de negócios; administração de negócios; funções de escritório.”

Perguntas? Fiquem a vontade. 🙂