O design que queremos fazer

Por Daniel Campos

26 de agosto de 2013

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Aloha!

Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que esse texto (como todos os outros que já escrevi e que escreverei) não tem qualquer pretensão de resumir um assunto ou de ser uma verdade absoluta. É apenas um reflexo da minha experiência profissional e da minhas crenças. Está aqui para estimular o pensamento crítico e a discussão. 🙂

Isso que você vê na imagem acima são snacks de batata, salgadinho, algo como Ruffles. É serio! Belíssima embalagem, não?

Peter Schimidt Group. Esse é o nome da consultoria de marcas alemã que desenvolveu não apenas essa embalagem, como toda a marca. E em contraste as práticas comuns desse mercado, imagens de alimentos não são encontradas em nenhuma parte das embalagens. A diferenciação dos tipos de sabores é feita por outros elementos gráficos, três pra ser direto: o texto, a numeração gigante e o código de cores retirado das bandeiras de navegação marítima, uma conexão direta com o logo da marca.

Um trabalho primoroso e ousado, que ganhou prêmio no Art Director Club de Nova York.

Quando algo assim cai na nossa tela, a primeira coisa que fazemos é compartilhar entre os colegas de profissão. E algo comum de se dizer e ouvir quando vemos projetos audaciosos como esse, que vão na contramão do que o mercado a qual essas marcas pertencem vai, transgressores ou simplesmente bonitos e bem executados, é:

“Sabe quando nossos clientes nos permitiriam fazer algo assim? Nunca. Nós adoraríamos fazer algo novo, diferente de tudo, mas o cliente não deixa.”

Houve um momento da carreira que pensava coisas assim sempre que via bons trabalhos, até pensei por alguns segundos desejando que esse trabalho tivesse saído do meu estúdio. Mas depois refletindo (e procurando saber mais sobre o projeto) vi que viver com esse tipo de frustração não é benéfico, tanto para nossos clientes como para nós mesmos. E isso remonta um pouco àquela utopia que todos vivemos enquanto estamos na faculdade. A realidade mercadológica é outra, e aceitar isso torna tudo mais simples e nos ajuda a fazer bons trabalhos.

Permita-me tentar ser mais claro.

Em minha concepção, trabalhar como designer especializado em marcas é, antes de tudo, resolver problemas. Resolver usando estratégia e ideias muito bem executadas com uma estética apurada. Isso tem sido um mantra pra mim nos últimos anos. Por que? Bom, porque é exatamente isso que faço. É o que tenho a fazer.

Apesar de termos uma página com os trabalhos de design gráfico em nosso site, os clientes da Anora Campo não chegam a nós pela estética de nossos trabalhos. Eles vêm em busca de soluções para os problemas diversos de suas marcas, sejam eles de posicionamento, arquitetura, recall de marca, nomes, identidade ou mesmo de não existir uma marca ainda. Resolvemos esses problemas de várias formas: as vezes chegamos a conclusão que é preciso mudar o nome; as vezes planejamos uma mudança na arquitetura das marcas, onde algumas morrem e outras se destacam; outras vezes resolvemos com mudanças em processos internos; ou com um alinhamento da identidade da marca com seus atributos e valores; ou mesmo com um logotipo. A estética não é nossa única ferramenta para solucionar problemas.

E claro, trabalhar apenas com a estética não é demérito nenhum, pelo contrário! Temos diversos exemplos de estúdios e profissionais do Brasil e de fora que são especialistas em estética e que fazem isso com maestria. Acredito que tem mercado pra todo mundo e que cada um pode explorar seu melhor.

O que quero dizer é que existem diversas formas de trabalhar para solucionar problemas, e que todos os projetos que vemos, bem ou mal, são soluções a uma problemática dentro de um contexto.

“Daniel, o que você está falando? O que quer dizer com tudo isso?”

Um trabalho fantástico como esse para John & John é simplesmente uma solução (muito competente visualmente) de um problema.

A marca “John & John” é baseada em uma amizade que floresceu entre um fazendeiro e um aventureiro: dois ingleses, chamados John. Enquanto o aventureiro percorreu os oceanos do mundo em busca de especiarias exóticas, o agricultor cresceu nos campos de cultivo das antigas batatas inglesas e todas as suas variedades. Tomando uma cerveja no pub local, os dois decidiram fazer batatas fritas de alta qualidade, unindo a excelência das batatas do fazendeiro com as especiarias descobertas pelo aventureiro.

O design deve ser reflexo da marca, e a marca será sempre reflexo da visão do(s) empreendedor(es) ou mesmo do CEO. E nosso trabalho, na maioria da vezes e dizendo de forma bem genérica, é pegar essa visão do empreendedor e traduzir para o design de sua marca da melhor, mais bela e funcional maneira possível.

A marca John & John já nasceu com a proposta de ser diferente: novos sabores com uniões exóticas, cozimento em baixa temperatura em óleo de girassol puro, uso dos diversos tipos de batatas inglesas, sem aditivos ou conservantes, fundada por um aventureiro e um fazendeiro… uma marca que em sua alma é nova, transgressora.

Logo, a solução visual para a marca também deveria acompanhar essa alma (que alguns chamam de DNA da marca, outros de brandcore, atributos e etc). Percebem? Esse conjunto de embalagens fantásticas que vemos, a temática marítima (!), transgressores e ousados para seu mercado, formatam uma solução que resolve um briefing, um problema. Simples assim. Não houve aquela história do estúdio de design dizer “vamos reescrever a história!”, ou do cliente dizer “eu quero uma embalagem que não tenha nada a ver com o mercado.”. Isso é somente uma solução que responde à uma problemática e à um contexto.

E provavelmente funciona. Por que? Porque a estética reflete o DNA, o brandcore, a plataforma, a alma da marca. Como disse no texto Ídolo do Branding aqui no LOGOBR: o design gráfico é a “materialização visual” da plataforma de marca.

Imaginem se, mesmo com essa embalagem, o produto fosse igual aos outros. Ela continuaria sendo linda e ousada, mas teria sentido para a marca? Seria um ponto de relacionamento eficaz da marca ou as pessoas se sentiriam enganadas? Não enganadas, mas talvez um sentimento de “eu esperava mais”?

Olhar para um projeto com esse e inveja-lo apenas pela sua estética, odiarmos a nós mesmos por não ter algo assim no portfólio ou desejar trabalhar na Inglaterra é ser cruel demais. Com a gente mesmo. E isso cria, talvez, o sentimento mais recorrente em profissionais criativos: frustração.

Conclusão

Se quero projetos transgressores, preciso encontrar marcas/empresas/empreendedores/produtos/serviços que sejam transgressores. Para meu trabalho ser de qualidade ele tem que ser verdadeiro. O design é o ídolo das marcas, e para ser símbolo ele precisar transpirar a realidade. Trabalhar dentro da verdade de cada marca fará com que eu trabalhe melhor e produza com mais qualidade.

Como disse no início do texto, esses são pensamentos meus, muito particulares e parciais. O que vocês pensam a respeito disso?