Gap: o logo e a marca

Por Daniel Campos

16 de novembro de 2010

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Aloha!

A GAP, marca de roupas fundada em 1969 em São Francisco pelo casal Donald e Doris Fisher, mudou seu logo no início de outubro/2010, com um projeto da agência Laird+Partners. E como você deve saber, menos de 15 dias depois, voltou atrás jogando o novo logo no lixo e repatriando a antiga caixa azul. Nesse artigo, vamos tentar entender o porquê de Helvetica e o porquê de tanto movimento para se voltar ao antigo.

A agência e a Helvetica

Não há muito que comentar sobre a parte técnica do logotipo. Está em Helvetica e o quadrado azul virou um adorno sem sentido (segundo a defesa, é para remeter ao logo antigo). O que podemos fazer é tentar entender de onde ele surgiu.

Pela minha pesquisa, desde 2002 a GAP tem sua verba para publicidade nas mãos da badalada Laird+Partners, agência de Nova York especializada em comunicação para a fashion industry. Entre seus clientes estão Tommy Hilfiger, Donna Karan, Calvin Klein, Bottega Veneta e marcas de celebridades, como Beyoncé e Usher. Mas, pela quantidade de peças de cada cliente e pela própria disposição sequencial dos nomes, fica evidente que a GAP é a maior cliente da L+P.

Olhando o portfólio com mais calma, vemos Helvetica aparecendo aos poucos. Começou discretamente em 2003 na campanha Stretch, que apresentava uma nova calça. (Para levar a característica ‘leveza’ que provavelmente o produto possuia) foi usado o peso light. Muito pertinente.

Em 2005, aparece ela como parte forte da campanha Favotite:  bold e em grandes tamanhos (o único senão é o péssimo kerning de A e V na primeira imagem.)

Em 2006, na estrondosa e muito comentada camapanha Keep It Simple, Helvetica aparece ao lado de Audrey Hepburn.

Mas é a partir de 2009 que a Helvetica aparece com tudo e em tudo na campanha Born to Fit em comemoração aos 40 anos da marca. Envolvendo anúncios impressos, folders, outdoors, fachadas e interiores de lojas. Tudo muito bem feito. Não pra menos, já que 40 anos são 40 anos.

PS: Confesso que essa coisa de fundo branco, textos grandes em Helvetica em preto me lembrou uma grande concorrente da GAP, a AmericanApparel. Mais alguem teve essa impressão?

E depois disso, em 2010, temos a campanha Put It In The Fit. E lá está nossa querida sans-serif de novo. E dessa vez, rolou até um site (mesmo sendo em Flash, é bem interessante).

Daniel, por que está mostrando essas campanhas em vez de falar do logotipo?

Talvez seja o que você está pesando. Posto que ninguém faz algo do nada (mesmo que pareça), tentei mostrar três coisas:

1 – O uso crescente e (aos meus olhos) de muito bom gosto da Helvetica na comunicação da GAP;

2 – A competência da L+P no que seu pessoal é especializado;

3 – A falta de competência da L+P no que seu pessoal não é especializado.

Como agência de propaganda com know-how em produtos/empresas fashion, a L+P faz muito bem seu trabalho. Direção de arte impecável, bom uso da tipografia, fotos belíssimas. Eles sabem vender seus clientes. Não é a toa que possuem uma carteira de dar inveja.

Contudo, veja o que foi feito com o logotipo da empresa. Como no caso da Copa 2014, isso só mostra que uma velha máxima da internet é real: cada um no seu quadrado.

Eu acredito que não se pode ser bom em tudo, e isso inclui as empresas. Por isso que existem especialidades. Por que a GAP contratrou uma agência especializado em moda para sua publicidade e não uma especializado em agronegócio? Tal critério de seleção deveria ter sido também aplicado para selecionar a empresa que cuidaria de seu redesign. Essa história de comunicação 360, comunicação plural, comunicação total, comunicação geral são eufemismos para “somos uma agência especializada em nada”. Salvo raras exceções. Se bem que a L+P não de posiciona como uma dessas. Pelo contrário, ela própria diz que é especializada no mundo fashion, e não em design de marcas. Mas enfim, existem muitas “forças desconhecidas” que atuam em tais projetos e que, no fim das contas, ditam e/ou influenciam no resultado, sem ser de forma técnica e fria, mas política e pessoal.

O logo, a GAP e a marca

Pode ser que um logo seja somente um logo quando este ainda é desenhado. Não existem valores, não existe personalidade, não existe experiência do usário/consumidor/cliente em torno dessa represetanção visual. Por conta disso, ele continua sendo apenas um desenho e não uma marca.

De forma simples, marca é a imagem que clintes, consumidores, fornecedores, funcionários e outros stakeholders possuem de uma empresa/produto. Essa imagem é formada por todos os tipos de contato que se tem com tal empresa/produto. Isso vai desde publicidade, até a experiência na hora da compra, no atendimento, no pós-venda, na embalagem, no engajamento além da venda e até na hora de abrir a embalagem (Apple que o diga).

O que parece é que a GAP não entendeu isso. Ela, e ninguém, jamais iria convencer seus consumidores do seu novo logo enquanto achar que seu antigo logo é somente um logo, um desenho que pode ser substituido a qualquer momento por qualquer outra coisa que acharem interessante. São 20 anos (do logo caixa azul) de publicidade, de comportamento, de relacionamento com seus clientes. O logo é o ídolo que remete a tudo isso. Se esse ídolo é profanado, seus adoradores sentem que tudo que ele respresenta também foi. De fato, a intenções da GAP Inc. ao reformular o logo da GAP eram as melhores possíveis. A empresa passa por um momento de mudanças e nada mais previsível que mudar o logotipo para mostrarem essa nova fase. Contudo, ou esse novo logo mantém tudo o que o antigo respresenta e mostra o novo tempo, ou tudo vai para o espaço. Em nossos dias, uma marca não é mais um domínio de quem a criou ou a detém, mas sim pertencente ao seu público e empresas que ignoram se dão mal. Essas, em algum momento percebem isso. A GAP, assim como a PepsiCo com seu suco Tropicana e a Coca-Cola com a New Coke (aqui e aqui), tiveram que mandar um Command + Z para se darem conta.

E o mais interessante é que uma das principais características do branding é fazer com que o consumidor percebe os valores da marca, passe a admira-los, te-los como seus próprios valores e a mostra-los com orgulho (nessa caso, em suas roupas). A GAP tinha tudo isso e simplesmente ignorou. Ou não sabia.

Enquanto isso, outras empresas torram milhões para tentar construir alguma coisa, mas se tal posicionamento é metiroso, é um tiro no pé. Ou se simplesmente só ficam falando de posicionamento e valores e se esquecem de ter ótimos produtos e serviços, como a Telefonica e seu péssimo e irritante “Melhorar Sempre” (convido meus amigos Luis Alt, Tennyson Pinheiro e quem mais desejar para fala sobre).  Um outro exemplo bem brasileiro disso é o tal do “Branco do Planeta” do Bradesco. Não conheço um até hoje que tenha caido nessa, ou que passou a admirar o Bradesco por isso e ser seu cliente. Em contrapartida, conheço muitos que até hoje se lamentam pela venda do Banco Real, mesmo o Santander se esforçando em tentar convencer seus clientes que todos os atributos, posicionamento e ótimos serviços da marca Banco Real foram incorporados ao Santander. Mas isso é assunto para outro artigo.

A palavra da CEO

Desde que lançamos uma versão atualizada do nosso logotipo na semana passada em nosso site, temos visto uma enxurrada de comentários de clientes e da comunidade online de apoio ao logotipo da caixa azul.

Na semana passada, nós passamos a dar atenção a esse feedback e começamos a pensar como poderíamos aproveitar toda a paixão. Finalmente, nós aprendemos o quanto de energia existe em torno da nossa marca. Todas as estradas foram nos levando de volta para a caixa azul, então  tomamos a decisão de não usar o novo logo em nosso site gap.com.

Na Gap, nossos clientes sempre estão em primeiro lugar. Nós fomos ouvindo e assistindo todos os comentários na semana passada. Nós ouvimos repetidas vezes que eles são apaixonados pelo nosso logotipo “caixa azul”, e que querem ele de volta. Então, nós tomamos a decisão de fazer exatamente isso – vamos trazê-lo de volta em todos os canais. (…)

Aprendemos muito neste processo. E nós estamos cientes que não fizemos isso do jeito certo. Reconhecemos que nós perdemos a oportunidade de se envolver ainda mais com a comunidade online. (…)

Haverá um tempo para evoluir o nosso logotipo, mas se e quando esse momento chegar, nós vamos lidar com isso de uma maneira diferente.

Marka Hansen, CEO da GAP North America
Link original – Tradução livre

Interessante ler essa declaração da CEO da Gap. Lá ele comenta que os clientes diziam repetidas vezes que queriam seu logo de volta. Isso mostra que a ligação emocional com uma marca é talvez a grande alma de qualquer empresa/produto hoje. Essas pessoas não estavam pedindo seu logo de volta porque elas preferem tipografia serifada e um azul sólido e escuro. Elas o faziam porque aquele desenho, aquele design, aquela imagem representava algo na vida dessas pessoas, representava o que elas são, o que elas querem que os demais pensem sobre elas. Aquele logo, como muitos outros, é exibido como um selo que mostra a atitude e o modo de vida por qual esses clientes querem ser reconhecidos pelo mundo. Mais uma vez: um logo não é só um “desenho” depois de anos de publicidade, de relacionamento entre empresa/clientes. Se torna um ícone representativo de muitas emoções, idéias e ideais. Se torna uma bandeira. Ainda mais se tratando de um mercado como o da moda, onde a intríseca ligação emocional é perte fundamental para o sucesso de empresas/produtos. Tal mudança (feita da forma que aconteceu com a GAP), tavez não seria tão desastrosa para outros nichos do mercado, onde os clientes não usam dessa marca para dizer coisas tão pessoais.

O consumidor não está nem aí se a GAP está sofrendo de envelhecimento, se a concorrência está ganhando mercado ou qualquer outro tipo de problema. O que o consumidor quer são produtos de qualidade, valores que condizem como que ela pensa e/ou admira e um logo que represente tudo isso e que seja reconhecível por todos. Talvez seja necessário a GAP atualizar sua marca sim, como a própria CEO sabe e disse, mas um projeto como esse é grande demais pra ser feito por não-especialistas, sem ouvir consumidores e se preocupando somente com a parte gráfica do logo.

O que pensam a respeito?