Entrevista: Ericson Straub

Por Daniel Campos

16 de setembro de 2010

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Aloha!

Como é do saber da maioria, o LOGOBR começou como um blog para amigos de sala e acabou se tornando em algo um pouquinho maior. Tudo foi e é muito natural, desde os artigos até as parcerias formadas. E quando se fala nisso aqui nesse site, o primeiro nome que vem a minha cabeça é da abcDesign. Claro que não estou desmerecendo nenhum de nossos amigos. Muito pelo contrário. O pessoal da revista (principalmente a Mari), foram os primeiros a acreditar no LOGOBR, nesse rapaz aqui e em nossa proposta. Claro, um grande carinho se forma quando se tem tal relação.

Contudo nunca havia tido contato com o editor da revista. Não até dezembro de 2009, quando recebi um email dele parabenizando o LOGOBR pelo trabalho. Claro, uma grande honra. Desde então mantivemos contato, o conheci na abcDesign Conference, junto com a equipe da qual o acompanhava. Quando percebi a riqueza de sua experiência e da sua competência com reconhecimento internacional, não pude não pedir uma entrevista.

Ericson Straub é designer, editor da revista abcDesign e sócio-fundador do estúdio Straub Design.

1. Como surgiu seu interesse pelo design?
Desde criança eu gostava de desenhar. Meu pai percebeu este interesse e começou a comprar livros que ensinavam alguns passos. Por outro lado, ele exigia disciplina de minha parte. Eu era obrigado a mostrar dois desenhos por dia. Na época eu odiei isso. Afinal toda criança gosta de desenhar, mas na hora que bem deseja. De qualquer forma meu destino estava decidido. Na adolescência eu comecei a pintar e vender camisetas e jaquetas jeans com imagens de bandas de rock e aí me interessei pela ilustração. Na época se utilizava muito a técnica de guache e aerografia. Resumidamente foi mais ou menos assim o início da minha carreira.

2. Você teve referências importantes na construção da sua carreira?
Acho fundamental ter referências. Eu tive o privilégio de ter como mestre o Elio Palumbo, um diretor de arte italiano (que havia morado na Argentina por muito anos)de quem fui assistente no início da minha carreira. Na época ele tinha perto dos seus 67 anos, mas ainda muito para ensinar. Com ele aprendi muito sobre tipografia, os fundamentos de um bom trabalho gráfico e principalmente a fazer caligrafia com diversos materiais. Foi minha melhor escola. Além do Elio, o designer gráfico Miran também foi uma importante referência. A revista Gráfica que era (e ainda é) editada por ele sempre trazia muito trabalho de qualidade. Eu gostava muito dos trabalhos dos designers norte-americanos: Herb Lubalin, Saul Bass, Milton Glaser, Paul Rand.

3. Além destes que você considera referência em sua carreira, quem mais você admira no mundo do design?
Gosto do trabalho do designer inglês Neville Brody, talvez por eu ter acompanhado muito do trabalho editorial dele. Além dele gosto do Tibor Kalman, Peter Saville e os designers que também escrevem sobre design como o norte-americano Steven Heller e o Rick Poynor, ex-editor da revista britânica Eye. Acho até injusto falar apenas deles porque tem tanta gente que admiro.  No Brasil gosto muito do trabalho do Kiko Farkas, do Rico Lins, do Jair de Souza, do Jum Nakao, nossa… tem muito talento no Brasil.

4. Seus trabalhos mostram bastante seu interesse pela tipografia e pela caligrafia, como aconteceu este envolvimento?
Até início dos anos 90 os trabalhos eram feitos totalmente manuais. Os títulos dos materiais gráficos eram desenhados e pintados a guache ou decalcados das cartelas de Letraset. Isso era um aprendizado para o olhar. As formas dos tipos (que eu era obrigado a conhecer), o espaçamento visual entre as letras, a entrelinha. Eu adorava ficar desenhando letras. Isso me despertou um grande interesse por entender mais a forma dos tipos e como eles vão além da estética apresentada. Eu também sempre via em livros trabalhos caligráficos e quando trabalhei com o Palumbo tive a oportunidade de vê-lo fazendo e aprender também.

Esboços: fontes NeoBauhaus e Jornal Estado PR


Fonte Jornal Estado PR

5. Como surgiu a ideia de criar uma revista de design (abcDesign)?
Em 2000, eu já lecionava, fazia mestrado e senti a necessidade de falar um pouco sobre tudo isso que estamos fazendo aqui. Naturalmente não sobre mim, mas sobre profissionais que eu admirava. Eu queria registrar histórias do design, levar conhecimentos que estavam na “borda do design”, mostrar técnicas de representação. No mestrado descobri que  tinha muita gente pesquisando coisas interessantes sobre design. Mas eu não queria uma linguagem acadêmica. Tudo isso colaborou com o momento de criar a abcDesign. Com a revista também pude implementar conceitos de direção de arte que eu gostava e inclusive desenhar uma tipografia para ela (a Neobauhaus – nome sugerido pelo Prof. Ivens Fontoura). Hoje já está indo para a 33º edição.

6. Quais as revistas de design que foram ou são referência para você?
Como já falei a Gráfica foi minha primeira referência, principalmente em uma época que não tinhamos acesso a meios de fora do Brasil. Em meados de 1990 surgiram revistas como a Emigré e a Plazm e até mesmo uma revista mexicana que eu também gostava, a Matiz. Atualmente gosto muito do conteúdo da revista britânica Eye.

Revista abcDesign


7. Além do design editorial, tem algum outro segmento do design que você se interessa?

Acho que designers gostam de desafios, de fazer sempre coisas que ainda não fizeram. Eu gosto muito de trabalhos que exigem a análise de seus diversos níveis de informação e a interpretação das pessoas, não importando se o meio é bi ou tridimensional. Por isso além do design editorial, gosto de design de exposições, sinalização e o design de espaços ou o chamado “retail design”. Acho que o ideal é ter designers e arquitetos trabalhando juntos, de forma multidisciplinar. Creio que ambas as atividades se complementam.

8. Soubemos que há pouco tempo a direção de arte da abcDesign ganhou Ouro no anuário norte-americano Graphis. Qual o significado deste prêmio para você?
Para mim o Graphis é o mais conceituado anuário de design do mundo e um termômetro do que há de melhor. Eu tenho vários Graphis da década de 70 que comprei em sebos e mesmo hoje, apesar do tempo, eles ainda são uma fonte de referência pela qualidade e seleção dos trabalhos. Esta premiação, ao lado dos mais importantes nomes do design mundial (alguns que foram e são referências para mim) como Milton Glaser, Michael Schwab, Stefan Sagmeister, Pentagram. O prêmio representa para todos da equipe que fazem ou que ajudaram a fazer a abcDesign. Pessoas como meu sócio (Wilgor Caravanti) que viabiliza financeiramente a revista. Sem ele, ou nossos parceiros como a Maxi, não teríamos revista. É uma premiação para todo um time que faz a abcDesign por prazer, com orgulho.

9. Você também leciona. O que você acha importante valorizar no ensino e o que você gosta mais de lecionar?
Gosto muito de lecionar disciplinas ligadas  à representação manual e de história do design. Até mesmo porque eu acredito que elas são pilares importantes para o repertório de um designer. Vejo a representação manual não apenas importante para representar uma ideia, mas como educadora do olhar sensível do mundo de um designer. Por outro lado a história (geral), história do design e da arte, nos fazem entender muito do presente, da estética e do pensamento contemporâneo. Sobre a questão do valorizar no ensino, acho que o fazer manual deveria ser valorizado no ensino de design, até mesmo porque pode ser um diferencial próprio do Brasil.

10. Você também tem um trabalho paralelo como artista plástico. Você considera isso importante para seu trabalho como designer?
Acho que é importante um designer ter trabalhos paralelos que necesariamente não busquem a finalidade comercial. Acho que o dia-a-dia de um escritório é desafiador e dinâmico, mas também estressante. Por isso o designer deve ter uma válvula de escape… ilustrar, pintar, criar tipos, fazer poesia, grafitar, fazer escultura. Eu gosto de pintar e eventualmente eu tento colocar em meu trabalho gráfico alguns elementos do meu trabalho artístico.

11. Como foi trabalhar com o Tide Hellmeister, no livro Inquieta Colagem?
Foi uma exeprência fantástica, até mesmo porque quando eu vi o trabalho dele pela primeira vez, creio que na década de 90, fiquei impressionado. Ele utilizava elementos que eu também adorava e tinha aprendido com o Elio Palumbo, como a caligrafia, além disso ele sabia trabalhar muito bem com tipos.. e a colagem nem se fala. Mas o que eu mais gostava da obra dele era a técnica. A técnica do fazer, de tratar os detalhes por menor que fossem com muito cuidado. Uma coisa que hoje poucos designers e artistas se preocupam. Realmente ele era um execelente artista e uma pessoa fantástica. Acho que ambos tivemos muita afinidade, tanto que eu falei por telefone com ele poucos dias antes dele falecer.

12.Você respira design 24 horas por dia? O que você faz  nas horas de folga?
Não. Além de pintar e fazer meus trabalhos artísticos eu gosto muito de montar miniaturas, maquetes, dioramas históricos. Eu monto e coleciono soldadinhos de chumbo. Mas não é apenas montar e pintar porque é legal, estes “dioramas” ou miniaturas têm que contar uma história, um momento. Minhas leituras também fogem do design, gestão ou marketing. Adoro romances históricos e biografias. Neste momento estou lendo um livro do Max Gallo (um dos meus autores preferidos) que narra a revolução francesa.

13. Como surgiu a ideia de lançar seu primeiro livro, o Abc do Rendering?
Em 1998 eu e o Marcelo Castilho (co-autor) percebemos que os designers estavam buscando ter mais contato com as técnicas manuais de representação. Uma reação contra o pensamento daqueles que achavam que o computador daria a solução para todas as coisas (comum ao exagero inicial das inovações tecnológicas). O Marcelo tinha uma grande experiência prática no design de produto, havia voltado a pouco tempo da Inglaterra e verificou que no Brasil não havia nenhuma publicação sobre o tema. Daí, organizamos as ideias e iniciamos o projeto que ficou pronto em 2004. Em 2006 também editamos o abc do rendering automotivo.

14. No seu mais novo livro “Conexões”, você discute o processo criativo, a intuição e a experiência na solução dos designers. Por favor, fale mais sobre o livro.
O tema para o livro surgiu avaliando como eu dava as minhas soluções. Eu e o Marcelo começamos a conversar sobre o assunto e comparar o processo criativo no design gráfico e no design de produto. Aí pensamos em registrar estas ideias em um livro. Convidamos 24 designers de diferentes expertises, estruturas e nacionalidades. A ideia foi dar um ar bem diverso ao tema . Não houve pretensão de ensinar ninguém ser criativo ou mesmo impor um método. A ideia foi deixar o leitor mesmo tirar suas conclusões das diferentes experiências. Pessoalmente eu percebi que, que mais que uma “luz divina” , as melhores soluções são fruto da experiência individual (ou somadas em equipes).

Livro Conexões

15. Você tem algum outro projeto especial que está no forno?
Temas de livro eu sempre tenho alguns engavetados. Outro projeto que estou trabalhando é de uma exposição de obras minhas com técnicas de ilustração, pintura e colagem, mas que têm como base a caligrafia. São obras bi e tridimensionais e a ideia é levar o conceito também para objetos e estampas. Creio que em breve terei muito material para mostrar.

16. É possível conciliar paixão, mercado e necessidade? Ou isso é utopia?
Creio que é possível. Não é fácil, porque a realidade às vezes mata o romantismo da atividade de quando você é estudante. Sem paixão não é possível fazer nada. Mas a paixão não está apenas na conquista, está também na entrega, no dia-a-dia. Não acho que o mercado está certo, mas ele infelizmente dita principalmente o tempo. Mas acho que os designers também têm um papel importante na educação do mercado (sem a utopia de ter o tempo que se tem na faculdade para fazer um trabalho).

17. Como mostra pra gente, você é um cara muito ligado a tipografia e a caligrafia. O que pensa sobre a cena tipográfica/caligráfica brasileira (produçao nacional, profissionais, prêmios e etc)?
Acho que nós brasileiros temos o poder absorver e se adaptar muito rápido às coisas e com a tipografia não foi diferente. Em pouquíssimo tempo o interesse pela tipografia e a qualidade dos trabalhos evoluiu muito. Os argentinos possuem uma tradição tipográfica de décadas com reconhecimento internacional. No Brasil ainda estamos “buscando o tempo perdido”. Mesmo assim, temos vários designers que estão fazendo um trabalho de alto nível. Acho que isso se deve bastante a alguns “batalhadores” como a Cecília (Consolo), o Claudio Rocha e o Tony de Marco com a Tupigrafia.

Fonte Neobauhaus

18. E sobre o Design Gráfico brasileiro contemporâneo? Acredita que vivemos nosso melhor momento?
Vivemos um bom momento, mas acho que ainda vamos mais longe. Temos talento de sobra e creio que o mercado (que é fundamental para a evolução deste “momento”) também esta entendendo melhor o design. Mas acho que ainda temos que “pedalar muito”, principalmente para fazer o mercado entender melhor o que o design tem a oferecer de bom para a sociedade.

19. Como começou o Straub Design? Porque abriu um estúdio?
A Straub Design surgiu em 2002. Eu tinha  experiência de ter trabalhado em agências de propaganda e estúdios de design, mas sempre tive um plano de ter um escritório próprio. Durante muito tempo me planejei antes de abri-lo. Eu já trabalhava com o Wilgor (meu sócio) em alguns projetos especiais e foi a oportunidade para unirmos força em prol de um projeto comum. O legal é que ele não era designer, vinha da area comercial e assim nos unimos, ou nos complementamos para abrir a StraubDesign.
Ter um escritório significa materializar valores que você acredita, desenvolver o melhor do seu potencial para um fim. Mas por outro lado, também ter responsabilidades. Afinal quando se tem uma estrutura onde pessoas, famílias dependem, você passar a ter um responsabilidades frente a estas pessoas que dependem da saúde do negócio.

Projeto editorial da Straub Design

20. O Jackson Peixer, sócio-fundador do estúdio Firmorama, afirma que é possível fazer design de qualidade sem estar inserido nos grandes centros (São Paulo e Rio). Você concorda com isso?
Concordo. Como editor da abcDesign, vejo que temos design de qualidade, de Roraima ao Rio Grande do Sul. Porém o grande desafio é sobreviver de design fora dos grande centros e principalmente de metropóles com São Paulo e Rio. Infelizmente, cada vez mais os departamentos de comunicação e marketing estão se transferindo para São Paulo. Isso é ruim não apenas para as cidades de onde estes grupos se originaram, mas também para São Paulo que incha cada vez mais e piora a qualidade de vida dos habitantes. Eu sempre observo em anuários europeus e norte-americanos a procedência dos escritórios de design participantes (alguns premiadíssimos). Muitos são de cidadezinhas que a gente nunca ouviu falar. Não quer dizer que eles necessariamente foram prospectar seus clientes em Nova Iorque ou Londres, mas sim que existem empresas importantes que fazem parte do circuito que este escritório está inserido. Isso deixa o país mais igualitário, sem grandes concentrações de renda. Por outro lado os meios digitais estão encurtando distâncias e possibilitando que profissionais de lugares distantes façam negócio.

21. Tem algum conselho aos que desejam ter seu próprio estúdio?
No fundo você abre um estúdio porque acredita em algo. Mas um estúdio tem que sobreviver, crescer, ser sustentável. Por isso é importante se planejar. Com dinheiro, equipamentos, móveis, local e se possível alguma experiência, que é algo muito importante. Hoje existem cursos de empreendedorismo em instituições sérias como o SEBRAE que são fundamentais, principalmente para nós, designers que, sinceramente, temos dificuldade em lidar com questões financeiras. Só talento, não segura um negócio, é preciso estar preparado.

Outros trabalhos do Ericson

Jornal Tribuna

Livro África

Livro Kurytyba

Fonte Palumbo

Painel volumetrico no Teatro Positivo|HSBC

Livro Abc do Rendering

Rendering

Rendering

Tipos desenhados a mão